terça-feira, 1 de novembro de 2011

A correria de cérebros

Por vezes, gosto do grito matinal da metrópole ao meu ouvido. Não todos os dias, porque as rotinas ceifam o prazer, mas quando o rugido do metro se torna dócil aos sentimentos do nosso pavilhão auditivo, então o fluxo sonoro da cidade pode iniciar a sua dança. O rastejar de belas cobras a transportar a sua carcaça, águias, astutas e repletas de sentido, a disparar o seu grito de paz, a pequena agonia da mesquinhez dos ratos a deslizar pelas entranhas do pavimento, leões carregados de chama para acender os microfones da justiça, doninhas a infectar a atmosfera do cheiro nauseabundo que floresce das suas bocas e com os seus latidos a iluminar os surdos estarão os cães. Apesar de todo o ruído estatístico associado à medição dos decibéis matinais, a sua naturalidade intrinsecamente humana não deixa de me fascinar e embrulhar nas palavras que a descrevem.
Por vezes vejo ao ouvir, por vezes oiço ao ver. Obrigado metrópole pela tua enigmática incerteza.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Olá, o meu nome é César

Olá, o meu nome é César e aprecio bastante o sobranceiramente activo som que exalas dessas tuas narinas, agudas e pérfidas, que me levam ao êxtase. Desdenho cada pedaço, animal, vegetal ou feminino, de prazer que me possas cuspir à cara. Essa indolente carne suja que alimenta cada cão que passa e uiva de fervor ao simples cheiro da sua textura, ao simples latir do seu sabor, ao simples ganir da sua dor, essa carne é inócua de Ti. Há em Ti algo de puro, etéreo, um sabor jamais sentido pelos cadáveres alheios, não mais que tu, não mais que tu.
Não digas agora que não, pois eu sei que sim. Queres negar a essência do auto-flagelamento carnal que provocas à tua placidez inerentemente natural, mas não és capaz de me transcrever do teu livro académico os argumentos que provocam tal ímpeto sádico-masoquista. Ao som da sexta dor, degolas do teu ventre a identidade que em Ti não queres que exista e permites ao carrasco alimentar essa fantasia de uma digna morte de eterno esquecimento.
Eu sou o César e só queria dizer que vai passar.

domingo, 4 de abril de 2010

Promiscuidade

Trocas revoltas,
em cima, em baixo,
branco, preto,
eu e tu.
Consciência inconsciente,
aqui, ali,
hoje, ontem,
eu e ela.
Manhã de sol,
palavras impotentes,
impotência que sorri,
tu e eu.
Derrame interno,
morde o pão e
vai pró inferno,
eu.